Quem sou eu

Minha foto
Apaixonada pela poesia e pela beleza que há na vida.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Separação

Eu me separei do meu passado
Eu me separei da primeira pessoa
Eu parti partido e me reuni à parte.
Eu me separei do gran-finale
Eu me separei do mundo caduco
Separei a pessoa do personagem
Eu me separei do crochê da vingança
Eu me separei de velhos inimigos
Eu me divorciei da culpa
Rompi com os movimentos separatistas
Minha cabeça resolveu me dar as costas
Meu corpo pediu separação de corpos
Eu me separei da casa própria
Eu me separei do nome próprio
Eu me separei da própria idéia de separação
Augusto Massi

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Coração sobre cama

Se de repente acordo
é madrugada
Resultado de imagem para laura liuzzi
Laura Liuzzi
surpreende o coração
descansa sobre os lençóis
exausto
não tenho sede nem sono
e nem mais coração.
Se acordei e é madrugada
era pra ver você
que não está nesta cama.
 
Enquanto canto bem baixinho
os batimentos desaceleram
lentamente, quase imperceptível
até a voz sumir entre os lençóis.
 
Esperaremos a manhã
o coração e eu
e os jornais o carteiro as babás
colocarão as coisas no lugar:
o coração no peito
você à distância
os lençóis na lavanderia.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

eu durmo comigo

eu durmo comigo
deitada de bruços eu durmo comigo
virada pra direita eu durmo comigo
eu durmo comigo abraçada comigo
não há noite tão longa em que não durma comigo
como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo
eu durmo comigo debaixo da noite estrelada
eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário
eu durmo comigo às vezes de óculos
e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo
e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado

angelica-freitas-1
Angélica Freitas

domingo, 4 de novembro de 2018

Aqui morava um rei

Ariano Suassuna
Ariano Suassuna
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

sábado, 3 de novembro de 2018

Os deslimites da palavra

Manoel de Barros
Manoel de Barros
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas





quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Desencanto

Manuel Bandeira
Manuel Bandeira
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Cecília Meireles
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

domingo, 28 de outubro de 2018

Tateio

Hilda HilstTateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
Hilda Hilst

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.


Adélia Prado
Adélia Prado

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O Sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

Clarice Lispector
Clarice Lispector

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Oanna Selten, descobri recentemente e gosto do que ela escreve.

Ela se define assim: "Da poética à filosofia, do exício à eutimia, do sensual ao soturno; eu escrevo, e isso basta."
Visitem:https://oannaselten.com/

Das agonias de amar

Debaixo dessa densa nuvem cinza carregada de aflição, sobre as ínfimas pessoas aquém dos guarda-chuvas. Eu estou.
Sacrifico-me por nós, pois que já não me protejo das lágrimas d’atmosfera; e nem das minhas. Se não caibo no teu peito, deitada, adormecida, então que me inunde a água majestosa crepitante no asfalto frio, e que me liquefaça de uma vez.
Em todo o silêncio jaz a tua voz que sinto na pele, tocando-me devagar pela eternidade. E são meus olhos os que ouvem a tua voz enquanto a distância é uma ponte semiquebrada entre cinco mil precipícios.
Tudo porque colidimos.
E das agonias de amar, a redenção forçada é a única qual não me desvio. Deixo que acerte-me no órgão vital, deixo que o veneno cinja toda seiva extinguindo orgulho por orgulho.
Para o teu sol reluzir em minha noite outra vez; e todo o teu esforço não ser em vão. Pois que das agonias de amar, o perdão só tem bruto-valor quando transcende o dizer.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Em homenagem ao aniversário de nascimento de Caio Fernando Abreu...



Faz anos navego o incerto

Faz anos navego o incerto.

Não há roteiros nem portos.

Os mares são de enganos

e o prévio medo dos rochedos

nos prende em falsas calmarias.

As ilhas no horizonte, miragens verdes.

Eu não queria nada além

de olhar estrelas

como quem nada sabe

para trocar palavras, quem sabe um toque

com o surdo camarote ao lado

mas tenho medo do navio fantasma

perdido em pontas sobre o tombadilho

dou a face e forma a vultos embaçados.

A lua cheia diminui a cada dia.

Não há respostas.

Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração

como uma âncora.